O PAPEL DA ASSESSORIA JURÍDICA NA NLL

A contratação de bens e serviços pelo setor público nunca foi um processo simples, ao contrário, enseja muitas dúvidas, especialmente quanto à atuação do jurídico, que geralmente não tem papel definido, e nem momentos processuais normatizados, então, quase sempre pratica atos que sequer são de sua competência.

          Muitos órgãos requerem posição jurídica previamente à formalização de aditivos, ou mesmo à homologação dos certames, e, ainda, nas respostas a notificações (isso quando não é o próprio órgão jurídico que notifica), e em tantos outros procedimentos não definidos internamente, tantas vezes respostas a impugnações de editais ao invés de serem formalizadas pelos pregoeiros, o são pelo jurídico!

            O problema é que quando necessário a responsabilização de agentes que se pautaram nestes mesmos pareceres para decisão, os pareceristas se esquivam (e tem sido difícil mudar isso) sob o argumento de que os seus pareceres são opinativos.

         E, no velho regime, ainda que a evidente importância (e razão de ser) dos pareceres consista na pretensão de imprimir legalidade aos atos, no novo regime teremos definidos os momentos em que o jurídico atuará no processo. E no quê isso muda? Na NLL todos os pareceres serão vinculantes! 

      As compras públicas terão vida nova na Nova Lei de Licitações, e as inovações trazidas (nem tão novas assim para quem estava próximo às boas práticas) que tendem a facilitar a vida dos agentes que atuarão no processo e imprimir mais transparência e efetividade nas contratações, também atribui momentos e formas diferentes de manifestação dos agentes, especialmente, dos juristas.

      Nesse contexto, agora temos um pacote geral com as premissas para as ‘boas aquisições’, que incluem, dentre outros:

  • Quem vai conduzir os processos em cada fase e suas prerrogativas, impedimentos e atribuições;
  • Quais os procedimentos padrões a serem adotados;
  • Que modelos seguir;
  • Que produtos/serviços comprar (e vem aí o catálogo de padronização);
  • Como usar os checklists de verificação de regularidade;
  • Pareceres técnicos e jurídicos…

      E nesse novo cenário, quem assume um lugar de destaque é a assessoria jurídica, que orientará e acompanhará os procedimentos adotados no processo licitatório, desde a fase preparatória até a execução do contrato, assegurando a legalidade, a economicidade e a eficiência das contratações. Em suma, a assessoria jurídica será um importante pilar na implementação da NLL, passando de uma atuação indefinida, para uma atuação transparente, de pareceres opinativos, para pareceres vinculantes – inclusive podendo o agente que contrariar tais pareceres, perder a prerrogativa de futura defesa judicial ou administrativa.

       Dada a relevância e responsabilidade do jurídico, notadamente com todas as atribuições positivadas no novo regramento, e ainda a possibilidade de ser responsabilizado pessoalmente por seus atos, fundamental que seja inserido nas principais etapas de construção do processo licitatório e governança, tais como, fase de planejamento, de transição, criação de fluxos/checklist e normatização.

         E em que momentos atuará, se a NLL explicita somente os pareceres prévios que antecedem a publicação dos editais e avisos?

         Primeiro que os pareceres preparatórios não serão mais somente sobre os editais/avisos e suas minutas, mas sobre ‘todo’ o processo até então. Em segundo lugar (e não menos importante), os juristas se manifestarão à qualquer momento (e em qualquer fase), sempre que houver solicitação manifesta do agente que precisar praticar um ato e estiver em dúvida, sendo necessário que este materialize sua exata dúvida para que o parecer venha-lhe em socorro. E esse parecer não ‘deve’ ser contrariado (sob pena de o agente perder a possibilidade de ser defendido futuramente pelo departamento jurídico do órgão – sem precisar contratar um advogado particular), portanto, a responsabilidade do advogado aumenta muito, vez que ele dará legalidade ao ato duvidoso.

 

       E nos checklists de verificação de regularidade, por certo que o agente responsável pelo seu preenchimento verificará dentre outros: – se os pareceres não foram contrariados; – se existe alguma ressalva ou orientação que precise ser cumprida em algum procedimento processual. 

       Dessa forma, é essencial que o setor jurídico participe de todo o processo de transição para ajustes que serão importantes, inclusive nos processos pilotos que surgirão, e, depois, que acompanhe o PAC – Plano Anual das Contratações de cada ano, para, de forma antecedente saber o que está acontecendo na estrutura.

       Além disso, deverá participar da criação do fluxo dos processos, considerando que, sem a definição do fluxo adequado, os feitos certamente seguirão de forma desconexa e equivocada, acarretando retrabalho e perpetuação de erros.

      E mais.  Se o jurídico não fizer parte do processo, um dos princípios mais valorizados restará comprometido, qual seja, a celeridade, já que fora das discussões, pode pretender discutir modelos quando estes já foram estudados e debatidos pela comissão de transição.

       Sobre esse assunto veja outro artigo publicado no meu blog.  Confira no link abaixo:

 https://www.opiniaosimoneamorim.com.br/o-papel-do-advogado-na-equipe-de-planejamento/

       Na fase preparatória a responsabilidade da assessoria jurídica será auxiliar os órgãos públicos na elaboração dos editais, termos de referência e contratos, garantindo a sua conformidade com a legislação vigente, com as cláusulas necessárias a garantir a lisura e competitividade do certame, inclusive aprovando modelos padronizados, sempre que possível.

     Sendo assim, como dito, cabe à assessoria jurídica, manifestação em sede de controle prévio nas contratações (em todas), o que valida a continuidade do processo, e também a sua manifestação à pedido de qualquer agente que na prática de qualquer ato que lhe caiba, precise de auxílio técnico, devendo atuar ainda na emissão de pareceres referenciais, que dispensarão pareceres preparatórios em demandas repetitivas e a participação na construção/aprovação de minutas  dos instrumentos a serem formalizados.

       Se a NLL traz mudanças significativas na forma como esses documentos devem ser elaborados, incluindo critérios de sustentabilidade, gestão de risco, maior detalhamento das especificações técnicas e a obrigatoriedade de estudos preliminares, caberá à assessoria jurídica analisá-los e sugerir adequações, evitando vícios que possam comprometer o processo licitatório, tais como cláusulas abusivas e restritivas.

       É o que preconiza o § 3º do artigo 7º da NLL quando estabelece que as regras relativas à atuação do agente de contratação e equipe de apoio, funcionamento da comissão de contratação e atuação de fiscais e gestores deverão estar previstas em regulamento, com previsão expressa da possibilidade de contarem com o apoio dos órgãos de assessoramento jurídico.

         E de que forma o jurídico prestará esse auxílio? Engana-se quem pensa que somente através de pareceres, posto haverem outros instrumentos internos através do qual procedimentos repetitivos poderão seguir orientação padrão.

       Ainda sobre a dispensa do parecer jurídico que tem, de fato, o intuito de evitar custos e burocracia em procedimentos simples ou que admitem a padronização, é preciso registrar que essa efetividade só será alcançada se houver conscientização dos envolvidos quanto à importância e necessidade de se verificar os critérios de regularidade em checklists – aprovados e padronizados – que serão preenchidos pelos agentes responsáveis nas respectivas fases do processo licitatório.

       Isso porque, a complexidade da legislação requer a sua correta interpretação e aplicação e são os profissionais jurídicos os responsáveis por orientar os agentes públicos envolvidos, assegurando o cumprimento das exigências legais e evitando possíveis irregularidades.

       De igual modo na fase contratual.  Após a fase de seleção e adjudicação, a assessoria jurídica continua desempenhando um papel relevante no acompanhamento do contrato. É responsabilidade da assessoria jurídica auxiliar fiscais e gestores na verificação do cumprimento das obrigações contratuais, garantindo a adequada execução do objeto contratado, seja orientando a Administração em eventuais alterações contratuais, seja direcionando na solução de possíveis conflitos que possam surgir durante a vigência do contrato, contribuindo para a manutenção da harmonia e do equilíbrio nas relações entre a Administração e os contratados.

       Outro aspecto relevante da NLL é o refinamento dos mecanismos de controle e fiscalização dos processos licitatórios. Nesse sentido, o setor jurídico tem a responsabilidade de atuar na prevenção e detecção de fraudes, irregularidades e atos ilícitos durante as licitações, tanto que figura na  segunda linha de defesa.  Significa dizer, se os integrantes da primeira linha (servidores e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades que atuam na estrutura de governança do órgão ou entidade), “falharem”, cabe a ele (jurídico) filtrar e coibir eventuais incorreções.

     Ainda nem falamos sobre o patrocínio jurídico cabível aos agentes públicos (e ex-agentes) em sede administrativa e judicial, quando os seus pareceres emitidos nos autos, não forem contrariados.

       Por tudo isso, o fortalecimento do setor jurídico nas instituições públicas é essencial para assegurar a conformidade legal e a proteção do interesse público nos processos de contratação, e essa necessária reestruturação perpassa, inevitavelmente, pela capacitação, gestão de competência e realização de concurso público.

         Sobre o parecer ser emitido por advogados concursados, verificamos que o TC do PR já se manifestou nesse sentido, e a tendência é a maturidade dessa defesa ao longo da aplicação da NLL (Acórdão no 1448/23 – Tribunal Pleno).

       Vejamos que a atuação de assessores jurídicos e/ou procuradores contribui para garantir a transparência e a idoneidade dos procedimentos, protegendo o interesse público e evitando prejuízos aos cofres, não devendo persistir nenhuma dúvida sobre a sua atuação (inclusive por pareceres simplificados e objetivos) no novo regime que vem aí, sob pena de grande prejuízo ao desenvolvimento do processo que ainda na dispensa dos pareceres, prima pela legalidade e pelas linhas de defesa legitimadas pela Lei 14.133/21 .

 

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