POSSO ADERIR AGORA EM 2024, UMA ARP DA LEI 8.666/93 REVOGADA?

A transição para a nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) trouxe consigo uma série de desafios e interpretações para os servidores públicos, especialmente no que tange à adesão a Atas de Registro de Preços (ARP) estabelecidas sob a antiga Lei nº 8.666/93. Este artigo visa esclarecer e defender uma interpretação mais flexível dessa transição, focando na possibilidade de adesão a atas da lei revogada, mesmo sem manifestação de interesse até 29 de dezembro.

Contexto Legal

A Lei nº 14.133/2021, conhecida como a nova Lei de Licitações, revogou os regimes licitatórios anteriores, incluindo a Lei nº 8.666/93. O artigo 191 da nova lei estabelece um período de convivência normativa, durante o qual as entidades poderiam optar pelo regime licitatório a ser aplicado. A questão central surge em relação às atas de registro de preços: é possível aderir a uma ARP formulada sob a lei antiga após a entrada em vigor da nova lei?

Segundo essa interpretação majoritária depende da data de nascimento do processo de adesão dentro de uma conjuntura de atos normativos e de orientações que vão acabar definindo se é possível ou não.

Em suma, a adesão a atas de registro de preços formuladas sob a Lei 8.666/93 precisaria obrigatoriamente ter sido realizada até 29/12/2023. Após essa data, a nova Lei de Licitações, Lei nº 14.133/2021, estaria integralmente em vigor, e as regras para adesão deveriam seguir os novos preceitos.

No entanto, adotando uma visão mais flexível, defendo que a adesão a atas da lei revogada é possível e legalmente válida, mesmo que a manifestação de interesse da autoridade máxima da sua entidade não tenha ocorrido até 29 de dezembro. Esta interpretação se alinha com a necessidade de assegurar a continuidade e eficiência administrativa, especialmente para as administrações municipais que enfrentam desafios únicos em suas operações de licitação.

É certo que a Lei nº 14.133/2021 prevê a ultratividade dos regimes contratuais antigos para contratos já firmados ou para processos de licitação iniciados sob a legislação anterior. Isso implica que as regras da Lei nº 8.666/93 continuam aplicáveis a esses contratos e atas, garantindo segurança jurídica.

Logo, a transição para um novo regime licitatório deve ser flexível para não prejudicar a continuidade dos serviços públicos. Impedir a adesão a atas existentes poderia resultar em atrasos e ineficiências, contrariando o objetivo de melhoria e eficiência que a nova lei busca promover.

Enquanto o Decreto Federal nº 11.462/2023, que disciplina o Sistema de Registro de Preços, silenciou sobre o assunto, outros normativos como o Decreto Municipal nº 18.242/2023, de Belo Horizonte (MG), e o Decreto nº 44.330/2023, do Distrito Federal, preveem a possibilidade de renovação do quantitativo, tal como ocorre nos contratos de serviços e de fornecimento contínuos.

O Parecer nº 00006/2022/CNLCA/CGU/AGU da Advocacia-Geral da União oferece uma interpretação que permite a adesão a atas existentes, desde que haja saldo disponível, reforçando a legalidade dessa abordagem.

Peço licença para transcrever um trecho do Parecer da AGU acima mencionado: 

“A doutrina de Fernanda Marinela e Rogério Sanches também aponta para uma resposta positiva, defendendo a possibilidade de uso das atas de registro de preços nas licitações que adotem a legislação antiga, cumprindo a regra de “optar por licitar” ainda durante o período de convivência normativa:

A mesma ideia pode ser aplicada para o registro de preços. Imagine que a licitação para o registro de preços tenha sido iniciada e concluída dentro do prazo de 2 anos. A ata de registro de preços pode tranquilamente ser assinada depois do biênio e dos contratos dela decorrentes da mesma forma. O importante é o regime da licitação, que deve ser aplicado sobre tudo o que decorre e está vinculado a ela, tanto a ata de registro de preços, quanto os respectivos contratos” (MARINELA, Fernanda. Manual de Licitações e Contratos Administrativos / Fernanda Marinela, Rogério Sanches Cunha – São Paulo: Editora JusPodivm, 2021. p. 40).

              (…)

No artigo 191 não há necessidade de prévia assinatura do contrato, mas sim de que a Administração tenha, no período de experimentação, optado por licitar de acordo com a legislação anterior (como a Lei n° 8.666/93, por exemplo. Nesta feita, mesmo que a licitação seja concluída apenas após o prazo de experimentação, as contratações decorrentes serão balizadas no regime anterior. E isso ocorrerá mesmo já tendo, naquele período, o regime anterior sido revogado.

Novamente é importante perceber que após a revogação da legislação anterior aplicada na licitação , o fundamento de validade para a aplicação de seu regime à continuidade do certame e futuras contratações decorrentes será o próprio artigo 191 da Lei n° 14.133/2021, que impõe sua aplicação, preservando provisória e topicamente o regime jurídico da legislação anterior.

Esta regra, em nossa opinião, permitirá que os contratos e as atas de registro de preços decorrentes dessa licitação possam ser utilizados segundo o regime anterior e no limite de vigência por ele estabelecido (TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 13ª edição. São Paulo: Juspodivm, 2022. p. 897)” (grifei).

Sendo assim, a adesão a atas existentes, mesmo após a entrada em vigor da nova lei, está em consonância com o princípio da eficiência administrativa. Isso permite que as administrações municipais continuem a se beneficiar de processos de licitação já realizados, otimizando recursos e tempo.

A adoção de uma interpretação flexível da Lei nº 14.133/2021, que permite a adesão a atas de registro de preços da lei revogada, mesmo sem manifestação de interesse prévia até 29 de dezembro, é uma solução legalmente válida e alinhada com os princípios de eficiência e continuidade dos serviços públicos. óbvio que essa permissão não exclui a necessidade de realizados de todos os procedimentos para comprovação da vantajosidade da contratação, tais como a elaboração do Estudo Técnico Preliminar e Pesquisa de Preço. 

No atual momento de intensas dificuldades para as menores estruturas em razão da implantação do novo regime licitatório, é muito importante a interpretação flexível para a aplicação da Lei 14.133/21, por isso, até porque a própria lei permite a simplificação em diversos pontos (para processos de até 1/4 do valor dos incisos I e II do art. 75, o uso do ETP simplificado conforme regulamento interno, a liberação do ETP em determinadas situações, a contratação de pessoa físicas, o uso de linguagem simples nas peças técnicas, etc), ou seja, utilizar a ata de registro de preços do seu vizinho, se por ele permitido e atendidos os pressupostos do limite – o que, aliás, é a justificativa para as adesões, vez que encontram um limite/barreira legal – é um procedimento avalizado pela corrente menos processualista.

Esta abordagem que por vezes desafia posições já emitidas em sentido contrário, não apenas está dentro da legalidade, como também auxilia a Administração Pública na adaptação à nova era das licitações, garantindo a continuidade das operações e a eficiência na gestão pública, ainda que os precedentes (para as duas correntes ora tratadas) estejam à caminho para se firmar em tempos que estão por vir, mas o hoje e o agora exige ação, vivemos finalmente o momento em que não se pode mais esperar e agir é urgente.

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